A partir de uma disciplina, por Anderson Cirino da Silva e Márcia Regina Barros da Silva

A partir de uma Disciplina

(FL5297-2 – História e historiografia das ciências. 1º semestre de 2020-USP.

Programa de Pós-graduação em História Social)

 

Anderson Cirino da Silva (Mestrando)

Márcia Regina Barros da Silva (Professora)

 

“Você está sem microfone”, “Pode repetir, por favor?”, “Dá para desligar seu microfone?”, “Vocês podem ligar a câmera?”, “Estão todos bem?”.

 

Como se fosse um roteiro mal feito, as atividades online começaram, e continuaram, com diálogos repetidos.

No presente momento, com a pandemia do coronavírus, a ideia de crise tornou-se evidente.

A experiência particular e coletiva do ano de 2020 está sendo vivenciada em muitas dimensões; aqui gostaríamos de deixar uma indicação do momento especial da adaptação na disciplina cursada no primeiro semestre no curso de pós-graduação “História e historiografia das ciências”:  aulas fora do padrão presencial, tempo fora do padrão das nossas vivências costumeiras e preocupações ampliadas pela ansiedade de uma epidemia pandêmica.

O que ocorreu foi que crises abundaram num período curto, desde o início do processo em que a contaminação com a Covid-19 passou a ser rápida e fatal.

Da disciplina que teve apenas duas aulas presenciais migramos rapidamente para o formato online, mas não houve mudança na proposta do curso e seguimos em frente, mesmo que atrás de telas, letrinhas, perfis, avatares.

O sentimento de confinamento que muitos vivenciaram eclodiu com a gama de informações e debates acerca de muitos temas ligados ou não à pandemia.

O tema proposto na disciplina era compreender como a academia tem falado nos últimos anos sobre ciências e tecnologia, isso a partir de um ponto de vista que se convencionou chamar Estudos de Ciência, no qual interagem as áreas da história, da sociologia, antropologia e linguística, entre outras.

Acusar cientistas que buscavam interpretar os grandes problemas envolvidos no cenário de pandemia: dos médicos epidemiologistas, passando por biólogos, sanitaristas, enfermeiros mas também chegando em cientistas políticos, sociólogos e muitos outros, o que se avistou foi um acinte. As redes sociais tornaram-se um novo éthos para se lançar perfídias. O conglomerado de fake news espelha pessoas inescrupulosas, que deixam o ambiente virtual pernicioso. A mídia profissional tem buscado alicerçar-se em comentários balizados pela ciência, dando, assim, o direito de fala aos pesquisadores com know-how esculpido em seus currículos. As revistas científicas buscaram incessantemente notáveis e suas pesquisas para lançar artigos para que as comunidades buscassem entender o atual momento.

Os Estudos de Ciências procuram saber como as ciências e as tecnologias produzem explicações que compõem entre si e conosco, a comunidade de viventes, cosmologias sobre o mundo em que estamos.

Assim, o que se percebeu na experiência de viver em plena ambiência de uma forte lastração do novo Coronavírus foi ímpar, e por inúmeros fatores.

O que os autores falaram para nós por meio dos textos lidos esteve transpassado mais do que nunca pela atualidade, pela Covid-19 e pelo fato novo de estarmos dentro das nossas casas, distantes fisicamente da universidade, mas próximos pelas discussões e pelos objetivos de encaminhar nossos afazeres universitários de pesquisas, textos e planejamentos.

Há também uma mutação da crise. A mutação mencionada aqui é a perspectiva de que uma crise da saúde pública migrou para outras áreas, como economia, política, racismo, meio ambiente, descrença na ciência etc.

Pensando na proposta recente de um dos autores discutidos no curso, sobre como aproveitar esse momento único, singular e inesperado, nossa turma imaginou uma lista de desejos. Do que gostaríamos que permanecesse desse momento, do que percebemos que era supérfluo demais para permanecer e do que gostaríamos que viesse em substituição. Do que era harmonioso e não percebíamos, do que propomos que seja inovado, renovado, desfeito, refeito e feito.

O diálogo cresceu entre pesquisadores via Webinar. Um fato é salutar de se apontar no momento: a comunidade científica buscou integração. Isso veio para ficar.

Em resumo, sobrevoamos um horizonte de certezas que não mais cabem no figurino que conhecemos, e que vamos deixando para trás após esse momento único que vivemos no Ano Mirabilis de 2020, porque não é admirável apenas aquilo que é fabuloso por ser bonito e bom, mas também por ser surpreendente.

De reportagens em periódicos, sites, redes sociais e bate papos familiares, a palavra crise é costumeiramente usada. O momento do coronavírus é o momento da crise.

Achamos que valeria deixar por escrito algumas considerações variadas acerca da disciplina cursada no Programa de Pós-graduação em História Social, pensando em marcar de alguma forma, publicamente, o que nos aconteceu, em uma turma, em um espaço na nuvem, em um lugar que era um link!

As conspirações cresceram, e numa volúpia assustadora. Com a mesma potencialidade ao mal como coronavírus, a difusão de conspirações ganhou o mundo, como numa pandemia de desinformação.

Acreditamos que a forma das ideias tem, sim, suas origens, porém as ideias não têm um ‘em si’ tão espesso quanto podem sugerir as letras impressas, e vagam na atmosfera do tempo, no clima e nos ambientes. Assim, talvez, a expectativa de colocar em letras alguma coisa que possa servir como ideias para adiar o fim do mundo não se realizou completamente, mas vamos continuar tentando.

 

Referências bibliográficas

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LATOUR, Bruno. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. Publicado em Le Monde, 25-03-2020. Tradução de Deborah Danowski Parution e Eduardo Viveiros de Castro https://n-1edicoes.org/008-1